Após a Comcap declarar greve contra a privatização da coleta de lixo em Florianópolis, não demorou para haver conflito entre os funcionários da autarquia e os funcionários da Guarda Municipal de Florianópolis. Houve o conflito físico, com pessoas machucadas, e há o embate de narrativas, pró e contra a terceirização. Paralelamente, as partes (Sintrasem e a gestão da Prefeitura de Florianópolis) brigam na justiça sobre a legalidade ou não da transferência dos serviços da empresa municipal para uma empresa privada.
Bloqueio e conflito
O Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem) aprovou em assembleia a deflagração da paralisação às 10h dessa terça-feira (21/9). Assim, os funcionários da Comcap decidiram barrar novamente a entrada dos caminhões da empresa Amazon Fort no Centro de Valorização de Resíduos (CVR) da Comcap no bairro Itacorubi, onde é feito o transbordo do lixo.
Logo a prefeitura enviou a Guarda Municipal de Florianópolis (GMF) para início de negociação e possibilidade de emprego de força contra os manifestantes de forma a permitir a entrada dos caminhões da empresa terceirizada. Por volta de 12h30 iniciou o primeiro conflito, quando guardas usaram sprays de pimenta e bombas de gás lacrimogênio contra os manifestantes, que tentavam empurrar os agentes e arremessavam objetos.
Nos registros é possível ver que ao menos um guarda e um gari tiveram cortes na cabeça e deixaram o local sangrando (imagem ao final, conteúdo sensível). Ambas as partes, prefeitura e sindicato, divulgaram conteúdos exaltando os “seus” machucados – todos servidores do município.
Por volta de 15h30 a Prefeitura de Florianópolis divulgou que conseguiu na justiça estadual a autorização para uso da força efetiva contra a manifestação. A decisão do juiz Sérgio Roberto Baasch Luz foi de um “reforço” para que o sindicato fizesse o desbloqueio da entrada do CVR – o magistrado lembrou que já havia outra decisão judicial impedindo o sindicato de bloquear a unidade da Comcap.
As conversas que ocorreram entre sindicalistas e representantes da prefeitura não resolveram o impasse, de modo que às 15h40 reiniciou a investida da Guarda Municipal contra os manifestantes que restavam bloqueando a entrada do local. Novamente foram usadas bombas de efeito moral, tiros de balas de borracha e uso do spray de pimenta. Com o uso da força a prefeitura conseguiu a dispersão dos manifestantes da entrada do CVR e, assim, o acesso de caminhões da Amazon Fort para uso das estruturas da Comcap.
Com a greve, a prefeitura também afirmou que vai contratar mais empresas privadas emergencialmente para fazer a coleta de lixo em Florianópolis, exatamente o motivo do sindicato em deflagrar a paralisação da coleta.
Narrativas sobre o valor da coleta
Fora o conflito físico, há um jogo de narrativas a respeito do quanto o município está economizando, ou não, com a terceirização da coleta de lixo.
Segundo a prefeitura, a terceirização custa menos da metade do valor que era investido na Comcap. Questionada sobre os valores realmente gastos na terceirização a prefeitura ainda não respondeu à reportagem. Em outra ocasião, na semana passada, a prefeitura havia informado que, mesmo com uma suposta economia, o valor da tarifa de coleta de lixo de 2022 não será reduzido.
Segundo o sindicato, a prefeitura está gastando mais que o dobro, com um serviço pior, que ocasionou no acúmulo de lixo até essa terça (21) em diversas ruas do norte da ilha. O Sintrasem divulga que a prefeitura iniciou contrato com a Amazon Fort em R$ 3 milhões, teve um aditivo de R$ 7,6 milhões em abril e foi renovado em julho para R$ 16,8 milhões ao ano. Outra crítica do sindicato é o serviço precário prestado pela empresa privada.
As contratações da prefeitura com a Amazon Fort são sem licitação e, até semana passada, a promessa da gestão do prefeito Gean Loureiro era licitar o serviço ainda neste mês. A alegação da prefeitura é que havia afastamentos de funcionários suficente na Comcap para justificar mais um contrato emergencial com a mesma empresa.
O embate jurídico no TRT
Em 1º de setembro a 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis havia determinado que a Prefeitura deveria rescindir os contratos com a Amazon Fort porque a terceirização descumpre o acordo coletivo de trabalho dos funcionários da Comcap. A terceirização não está irregular, como esclarece a prefeitura, mas será de fato determinada correta ou incorreta quando a corte trabalhista em Santa Catarina julgar o mérito, o que não tem data para ocorrer.
De acordo com o TRT, a prefeitura antecipou o recurso (em 16/9) contra a decisão que proibiu a terceirização da coleta, e a 6ª Vara do Trabalho, onde tramita o processo, já intimou o Sintrasem a apresentar resposta. Depois que essa intimação for publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho (pode levar uns dois dias), passa-se a contar 8 dias úteis para a apresentação da resposta pelo sindicato. Depois disso, o processo é julgado pelos magistrados do TRT-SC.
O processo deve seguir o trâmite regular até a última instância, no Tribunal Superior do Trabalho, e a anulação ou não dos contratos de terceirização deverão aguardar decisão definitiva da Justiça do Trabalho.
Enquanto isso permanecem os confrontos, com narrativas parciais e intransigência recíproca, que culmina na violência física.
Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br