Nesta quarta-feira (22/9), 15 vereadores da Câmara de Florianópolis conseguiram aprovar dois empréstimos, que somam R$ 570 milhões, para que a prefeitura da capital inicie um pacote de obras em possível despedida de Gean Loureiro de seu cargo de prefeito. O mandatário municipal não revela o quanto a cidade realmente se endividou para tomar esse empréstimo e a base governista aceitou o compromisso às escuras.
Há cerca de um mês, quando a prefeitura plantou uma notícia para divulgar que faria a nova tomada de dívida de R$ 570 milhões com juros “favoráveis”, o Correio iniciou questionamentos ao poder executivo sobre qual é o real montante que os contribuintes municipais terão que arcar. A prefeitura se recusou a responder, como em outras ocasiões. Em resposta obrigatória à demanda pela Lei de Acesso à Informação a prefeitura respondeu em tom antidemocrático: diz que os valores dos juros nos empréstimos de R$ 300 milhões com o Banco do Brasil e de R$ 270 milhões com o Fonplata (Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata) são “desconhecidos”. O Banco do Brasil também negou dar a informação afirmando que a operação com o dinheiro público do município está “sob sigilo fiscal”.
Se há alguma legalidade que ainda sustenta sigilo de operação com dinheiro público, deveria ser anulada, porque as pessoas têm o direito de saber o que é feito com os impostos. Ainda não chegamos nesse nível ético.
A Prefeitura de Florianópolis e o Banco do Brasil foram incapazes de fazer a operação de forma transparente e respeitar quem tem carnê de IPTU nas mãos. Já a base governista aceitou mais uma vez a proposta de Loureiro porque os próprios vereadores usarão esse dinheiro para agradar seus eleitorados, com indicações de obras e intervenções em seus bairros. Com essa verba, a prefeitura promete grandes intervenções, como continuar a Beira-mar continental, e reformas estruturais de menor porte e compras de máquinas e equipamentos.
Com mais essa articulação obscura, Gean conseguiu endividar a cidade em cerca de R$ 1,2 bilhão até agora para suas obras. Quando o contribuinte andar por um recapeamento novo pode lembrar que o “alfaltaço” saiu em média 48% mais caro do que é de fato divulgado. Essa é a média de ágio que as contratações de empréstimos que Gean Loureiro tem conseguido desde que assumiu a prefeitura da capital, em 2017, para obras de infraestrutura viária.
Empréstimos da gestão de Gean Loureiro
Banco | Empréstimo | Valor da dívida | Até quando |
Badesc | 11.226.170,56 | 14.497.197,88 | out/2023 |
Badesc | 20.000.000,00 | 24.529.913,35 | mai/2024 |
Caixa | 40.000.000,00 | 63.422.909,79 | jun/2029 |
Caixa | 100.000.000,00 | 155.005.464,60 | jan/2030 |
Caixa | 30.000.000,00 | 44.648.590,80 | dez/2030 |
Caixa | 30.000.000,00 | 43.681.579,53 | 10 anos |
Caixa | 70.000.000,00 | 101.740.772,43 | 10 anos |
BB | 300.000.000,00 | DESCONHECIDO | 10 anos |
Fonplata | 270.000.000,00 | DESCONHECIDO | 18 anos |
Total | 871.226.170,56 | 1.291.126.428,38* |
* Esse valor de montante é uma projeção conforme a média de ágios das operações de empréstimos feitas pela atual gestão. Não representa a realidade, uma vez que prefeitura e as instituições bancárias não esclarecem quais são os juros. As dívidas têm teto em 11,5% da receita corrente líquida do município.
O desconhecimento da real dívida que o contribuinte terá que arcar foi motivo de questionamentos na câmara de Florianópolis por parte da vereadora Manu Vieira, do Novo. Em seu pedido de vistas ao projeto de lei 18302/2021 a parlamentar fez também projeções do endividamento municipal e afirmou, sobre o empréstimo de R$ 270 milhões com o Fonplata: “chama a atenção que nem mesmo a moeda em que o contrato será formalizado é indicada, impossível aferir riscos quanto à variação cambial”. Manu e mais seis parlamentares votaram contra a tomada de dívida – Afrânio Boppré, Marquito, Carla Ayres, Coletiva Bem Viver, Maikon Costa, Maryanne Mattos. Renato da Farmácia, até então líder de governo, não votou.
“Não vi, na tramitação da matéria, demonstrações de um esforço para aprofundar essa discussão. O que vi é assim: ‘a capa é azul, a gente vai votar favorável’, para alguns vereadores, não todos”, disse na tribuna o vereador Afrânio (Psol).
“É preciso cuidar da cidade, do que existe, da manutenção. A gente viu aí o Mercado Público sem manutenção básica. Só se faz novas obras, pegar empréstimo. Eu não quero uma cidade com muita obra nova, eu quero que cuide daquilo que já existe, que cuide bem das escolas e não venha aqui reclamar que tem andar que não tem banheiro”, disse a vereadora Maryanne (PL).
Mais dois empréstimos de R$ 100 milhões
O novo “pacotaço” do prefeito pode chegar a R$ 670 milhões. Isso porque a prefeitura pretende fazer ainda mais dois empréstimos – de R$ 30 milhões e R$ 70 milhões – com a Caixa Econômica Federal, através do Finisa. As tomadas de dívidas já foram autorizadas pela câmara em 2017 e 2020.
Essas quatro novas operações deverão endividar a capital catarinense até 2039, já que os dois novos empréstimos com a CEF e o BB têm prazo de 10 anos e a tomada de crédito com o Fonplata tem horizonte de nada menos que 18 anos, muitas gestões à frente, que terão que arcar com os compromissos.
Desconto em dívidas
Ainda na sessão dessa quarta, a Câmara também aprovou, por 19 votos favoráveis, um projeto chamado “Floripa de Mãos Dadas”, que autoriza descontos progressivos sobre o valor de juros, multas e demais encargos legais de quem deve para o município. Os descontos variam de 60%, para débitos com lançamento há mais de três anos, e 100% para dívidas que tenham mais de vinte anos.
Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br