Publicada às 19:44 – Atualizada às 21:58
A política de precificação da Petrobras dos combustíveis chegou às suas piores consequências. Com a greve deflagrada segunda-feira (21/5) pelos caminhoneiros autônomos em 15 estados contra o preço do diesel, a circulação e abastecimento nacional de mercadorias paralisou, impedindo o cotidiano normal.
Os caminhoneiros passaram a bloquear a passagem de veículos de carga em rodovias federais e estaduais em todo o País. Em Santa Catarina a Polícia Rodoviária Federal contabilizou 47 bloqueios nas BR 101, 116, 153, 280, 282 e 470 nesta quinta-feira (23/5), quarto dia de protesto.
Nacionalmente, a greve ganhou adesão de diversas outras categorias de transportadores, como freteiros, motoboys, sindicatos, transportes coletivo e privado, assim como grande parte da população. Na noite desta quinta o governo fechou um acordo com o movimento para suspender por 15 dias o protesto.
O caminho da crise
Em julho de 2016, quando Pedro Parente foi empossado novo presidente da Petrobras por Michel Temer, a nova orientação foi de que os preços dos combustíveis passariam a ser balizados pela flutuação do barril de petróleo no mercado internacional. A nova gerência da empresa queria diminuir a influência do governo no preço dos combustíveis, ferramenta muito utilizada e criticada nos governos anteriores para segurar a inflação.
Na prática isso significou uma volatilidade cada vez maior dos preços finais nas bombas para o consumidor. Os valores passaram a ser reajustados mensalmente. Em julho de 2017 a frequência de reajustes aumentou, chegando a ser diária, na tentativa da estatal acompanhar taxa de câmbio do dólar.
Nessa época, o barril de petróleo tinha uma cotação de U$ 42,35, que começou majoritariamente a subir até maio deste ano, quando atingiu U$ 72,50. Durante esse período, os custos foram repassados aos transportadores através do aumento do preço do diesel. Para a categoria, a situação se tornou “insustentável”.
Paralisação
Na semana passada, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) e a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) protocolaram ofício na Presidência da República e na Casa Civil para cobrar medidas efetivas do Governo diante do aumento constante das refinarias e dos impostos que recaem sobre o óleo diesel. Em nota, a Abcam já alertava para a iminência de uma paralisação nacional caso não fossem atendidos. O governo federal ignorou.
Mesmo depois de iniciada a greve, o Governo Federal continuou menosprezando o protesto. Somente nesta quarta-feira (23/5) à noite, a Petrobras anunciou a redução de 10% no preço do diesel, temporariamente por 15 dias, para ganhar tempo na busca de uma solução.
A medida não foi o suficiente e a paralisação se manteve, ganhando maiores contornos. Os caminhoneiros condicionam o fim da greve à redução de impostos sobre o preço do óleo diesel, como PIS/Cofins e ICMS e o fim da cobrança de pedágios dos caminhões que trafegam vazios nas rodovias federais que estão concedidas à iniciativa privada.
Espontaneidade
A pauta dos caminhoneiros vem sendo defendida pela Cnta e Abcam há alguns meses. Porém, a paralisação de fato partiu de forma espontânea em grupos de Whatsapp de caminhoneiros autônomos. As entidades depois reforçaram a ideia, na semana passada, diante da inércia do governo, que se vê diante de um novo levante nacional de insatisfação.
Desabastecimento geral
Enquanto isso, as cidades ficam cada vez mais desabastecidas. Os setores mais afetados são de combustíveis e alimentos. Nas cidades da Grande Florianópolis, assim como em todo o Brasil, houve uma corrida aos postos de gasolina, o que fez secar os estoques nesta quinta-feira (24/5). Os postos que ainda tinham alguma reserva registraram filas imensas. Alguns praticaram preços abusivos, chegando a cobrar mais de R$ 8 pelo litro da gasolina, o que fez com que os Procons municipais autuassem os estabelecimentos.
Na Ceasa de São José a situação também era de sufoco. Segundo o diretor presidente, Agostinho Pauli, a redução na entrada de alimentos na unidade foi de 59% de terça para quarta-feira.
“A situação é preocupante. Ontem (quarta) entraram somente 163 toneladas de alimentos. Hoje (quinta) foi ainda menos. Dessa forma o estoque vai acabar netsa sexta”, disse em entrevista.
Como informa Pauli, em um dia normal, a circulação de alimentos na unidade da Ceasa em São José chega a mais de 900 toneladas. No último dia 15, por exemplo, a entrada dos comerciantes permanentes (boxes) foi de 696 toneladas, e dos não-permanentes, aqueles que comercializam avulsamente suas produções, foi de 223 toneladas. Nesta quinta-feira praticamente não haviam comerciantes permanentes negociando “na laje”, espaço dedicado aos hortifrutigranjeiros autônomos.
Pauli explica que ainda chegavam caminhões nesta quinta porque conseguiam desviar dos bloqueios nas estradas, pegando atalhos. Porém, somente os produtores da Grande Florianópolis, essencialmente hortifrutigranjeiros.
“Paramos totalmente de receber mercadorias de áreas como São Paulo, Bahia e Espírito Santo, de onde vem a maioria das frutas, como mamão, melão e acabaxi. Os caminhões estão carregados e paralisados nos bloqueios”, conta Pauli.
Segundo o presidente da Ceasa/SC, as mercadorias, mesmo escassas, não apresentaram grandes variações de preço, à exceção da batata. “A batata é um alimento consumido por grande parte da população e os preços são sempre equilibrados. Mas como a demanda é muito grande, fez com que fosse um dos primeiros a ficar escasso e elevar o preço”.
Movimento do governo estadual
O Governo do Estado criou um comitê de crise para “minimizar os impactos da greve dos caminhoneiros e manter a ordem pública”, conforme declarou o secretário de Defesa Civil, Rodrigo Moratelli, em coletiva na manhã desta quinta, que também teve a presença do secretário da Segurança Pública, Alceu de Oliveira Pinto Júnior, e da Agricultura e da Pesca, Airton Spies. Sem tocar no assunto tributário, o esforço do governo é em manter os serviços básicos funcionando, como as polícias, bombeiros e hospitais.
Acordo do governo federal com o movimento
Na noite desta quinta-feira (25/5) o Governo Federal anunciou um acordo com líderes do movimento dos caminhoneiros para suspender por 15 dias a paralisação. O Planalto fechou 12 compromissos, entre eles o congelamento do preço do diesel nas refinarias por 30 dias – mantido por 15 dias de subsídio por conta do governo e outros 15 por conta da Petrobras. O Tesouro Nacional irá posteriormente ressarcir a petrolífera na ordem de R$ 350 milhões.
O anuncio foi feito pelo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, o ministro dos Transportes, Valter Casimiro, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, entre outras entidades de transportes. O acordo ocorreu após sete horas de reunião com líderes de associações de transportadores, em que foi negociado também que o diesel não será reajustado com inferior à 30 dias.
O presidente da Abcam, José da Fonseca Lopes, porém, abandonou a negociação antes do término e afirmou que a paralisação se manteria. “Enquanto presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), não entregar projeto votado e assinado pelo presidente (Michel Temer), da minha parte não levanto o movimento”, disse Lopes.