A tenda do Doutor Honesto mal abriu e já vem chamando a atenção de quem passa pela pequena Bom Retiro, no pé da Serra catarinense. Foi no primeiro domingo de janeiro, dia 2, que o agricultor familiar, Verginio Moretti, decidiu que iniciaria o ano colocando em prática um plano bastante ousado: comercializar a sua produção orgânica e agroecológica sem atendentes, na base da confiança.
A prática, que vem ganhando adeptos pelo Brasil e estado, já conta com “Doutores Honestos” em algumas cidades catarinenses, o que inspirou o agricultor também a apostar na confiança dos fregueses. “Nas minhas andanças por aí, vi experiências que deram certo, e sempre tive vontade de abrir uma tenda assim”, conta o agricultor familiar, que também encontrou histórias de sucesso pesquisando na internet.
Há mais de 20 anos, Moretti produz dezenas de variedades de frutas orgânicas em seu sítio, “Caminho da Serra”, e tem parceria com uma cooperativa para manter a diversidade dos produtos comercializados na barraca que fica em sua propriedade.
A ideia de manter um comércio sem atendente foi amadurecendo à medida que Verginio percebeu que não conseguiria cuidar da tenda e desempenhar suas atividades, enquanto agricultor e coordenador do Sindicato da Agricultura Familiar de Bom Retiro. “Às vezes, a barraca ficava fechada, sem ninguém para tocar e, como contratar um funcionário gera um custo muito alto, resolvi abrir sem atendente”.
O empreendimento, segundo o agricultor, foi um sucesso e a iniciativa tem recebido elogios e a adesão da comunidade, “recebo muitas famílias e consumidores conscientes que, inclusive, estão ajudando com a divulgação. Até agora, nenhuma experiência negativa”, comemora.
Agroecologia é turismo
O casal de turistas, André e Rosane, passou pelo local e decidiu parar. André, que é técnico agrícola, conta que já conheceu experiências semelhantes em diversos locais do país, e parabeniza o agricultor familiar pela iniciativa, “a pessoa honesta vai comprar e deixar o valor que está estipulado, é muito importante para a região esse tipo de projeto, principalmente porque são produtos orgânicos, e a gente sabe o quanto é sofrido ter esses alimentos à disposição”, comenta.
A tenda ao lado da rodovia também chamou a atenção do turista Ronaldo Kuhn, de Giruá (RS). Voltando de Meia Praia (SC), Ronaldo diz que parou na barraca do Senhor Honesto, porque costuma incentivar essas práticas, “já vi experiências assim inclusive nos EUA”.
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Agroecologia é luta
Verginio Moretti é agricultor familiar filiado à Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Santa Catarina (Fetraf). Ele também coordena o Sindicato da Agricultura Familiar de Bom Retiro, que representa um braço da federação. Esse envolvimento com a organização sindical explica a sua defesa pela produção agroecológica; bandeira transversal das entidades da agricultura familiar.
A Fetraaf vem desde a sua fundação, em 1997, encabeçando a luta pela produção de alimentos saudáveis. Recentemente, em 2020, iniciou a execução de uma série de projetos que incentivam práticas sustentáveis e agroecológicas estado afora. São centenas de oficinas realizadas em oito microrregiões de SC, alcançando 123 municípios e mais de 100 mil agricultores familiares.
As organizações do campo pedem que o governo do estado instrumentalize a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, que virou Lei em SC em setembro de 2021, com os seguintes investimentos: R$ 10 milhões para a montagem dos kits para produção orgânica e R$ 12.864 para a contratação de técnicos para acompanhar os agricultores e as propriedades durante um ano, além de prever feiras em todo o estado para divulgar e fomentar o consumo desses alimentos sem agrot[óxicos.
O objetivo, segundo as organizações, é contemplar 2 mil famílias da Agricultura Familiar de SC, sendo 2 hectares por família. “Este é o caminho para conseguirmos diversificar a produção e trazer alimentos de qualidade, orgânicos e agroecológicos, enfim, comida boa de verdade para a nossa população”, avalia Jandir Selzler, coordenador da federação.