Está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que, sob o argumento de tratar de uma política de conservação da fauna, fomenta o tráfico de animais, incentiva a prática de maus-tratos e coloca em risco de extinção os animais silvestres no Brasil. Para debater a proposta, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) promove na quinta-feira (21/6), a partir das 18h30, uma mesa-redonda na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Florianópolis.
O evento faz parte de uma mobilização nacional de defesa e proteção da fauna encampada pelo Grupo Especial de Defesa dos Direitos dos Animais (GEDDA), coordenado pelo MPSC. A mobilização pretende mostrar à sociedade a importância de proteger os animais silvestres e de dizer “não” à caça aos animais. “Esse projeto afronta o princípio da vedação do retrocesso socioambiental, implícito na Constituição Federal”, afirma o presidente do GEDDA, Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli.
O Projeto de Lei n. 6.268/2016, de autoria do Deputado Federal catarinense Valdir Colatto, foi apresentado na Câmara dos Deputados em 10 de outubro de 2016 e pretende, se aprovado, revogar a Lei n. 5.197/67, que dispõe sobre a proteção à fauna e trata da caça profissional e amadora de animais silvestres no país. O projeto autoriza a caça até mesmo em unidades de conservação ambiental, com uso de armas, e retira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o porte de arma.
“Essa proposta é inominável, um desastre ambiental”, comenta o chefe de fiscalizações do Ibama de Brasília, Roberto Cabral Borges, um dos participantes da mesa-redonda. “Enquanto o Ibama contará apenas com binóculos, os caçadores estarão armados e com o respaldo da lei”, complementa.
O chefe de fiscalizações do Ibama também demonstra preocupação com a destinação que o projeto dá aos animais silvestres apreendidos: cativeiros ou abate. Atualmente, a destinação é a soltura no habitat. “Estabelece-se assim um dilema moral difícil de ser resolvido por um agente ambiental. Quer dizer que, se eu souber de um animal que está sofrendo maus-tratos em um ambiente doméstico e se eu apreendê-lo, ele poderá será destinado a um local ainda pior. Em cativeiro, pode ser maltratado ainda mais”, pondera.
Para a Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Vânia Tuglio, também uma das integrantes da mesa-redonda, outro ponto preocupante é a alteração da natureza jurídica dos animais silvestres que o projeto propõe. “Hoje eles (os animais) são bens do Estado, estão sob sua tutela. Esse projeto de lei diz que os animais não pertencem a ninguém, ou seja, quando você tira a proteção do Estado desses animais, a legislação permite que eles sejam apreendidos e mortos a qualquer momento, por qualquer pessoa, em qualquer circunstância”, diz Vânia.
Vânia comenta, ainda, que a proposta não deixa claro que tipos de armas e armadilhas poderão ser utilizados. “E o risco maior é que nós já temos hoje um aumento de 75% de espécies animais em extinção. O Brasil vem perdendo, sistematicamente, espécies. Nosso bioma, embora seja muito biodiverso, é extremamente frágil, porque nós temos uma quantidade muito pequena de espécimes por espécie”, complementa.
“A arte de caçar com cães”
O projeto de lei prevê também a prática de reservas cinegéticas. Segundo o Deputado Federal Nilto Tatto, relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS), o termo “cinegética” se refere à “arte de caçar com cães”. “É um termo arcaico que, adjetivando a palavra ‘reserva’, procura ser mais simpático que ‘fazenda de caça'”, ressalta. Pela proposta, o empréstimo, a doação ou troca de material zoológico dentro do país não precisam de autorização dos órgãos ambientais.
Com parecer contrário do relator na CMADS, o projeto voltou para a Comissão de Meio Ambiente por solicitação do Deputado Augusto Carvalho e na última quarta-feira (13/6) foi retirado da pauta. Em comum acordo entre o relator e o autor da proposta, o projeto de lei passará por uma audiência pública, em Brasília, que deve ser realizada até o final de junho. Somente após a audiência o projeto voltará a tramitar.
“Parece uma coisa de séculos passados e que, ainda por cima, vai contra tudo que a população tem pedido”, avalia o Deputado Federal Nilto Tatto. Para ele, o projeto de lei ultrapassa as questões ambientais e pode agir no aumento direto da violência no campo. “O texto flexibiliza a legislação de porte de arma para caçadores, e isso tem consequências não só na fauna, mas também no aumento da violência no campo por questões fundiárias. É inconcebível que um projeto de lei permita o aumento da violência nesse meio que já carece de segurança”, afirma.
Mesa-redonda
A mesa-redonda será composta pelo presidente do GEDDA e coordenador do Centro de Apoio do Meio Ambiente (CME) do MPSC, Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli; pela Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) Vânia Tuglio, uma das principais defensoras dos direitos dos animais do país; pelo Deputado Federal Nilto Tatto, relator do projeto de lei na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS); pela Deputada Estadual de Santa Catarina Ana Paula Lima; pela Deputada Estadual do Rio Grande do Sul Regina Becker Fortunati; pelo chefe de fiscalizações do Ibama Roberto Cabral Borges; e pelos integrantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Rogério Cunha de Paula (Rio de Janeiro) e Marcelo Marcelino de Oliveira (Brasília).