Por causa da Baroque Club, em Barreiros, moradores da Rua Heriberto Hülse não tem mais o direito ao sossego. A casa de eventos promove raves com som alto demais durante as madrugadas, incomodando a vizinhança há pelo menos 20 meses e pouco é feito para que a situação irregular cesse.
Indignados, moradores da região fizeram um dossiê apontando irregularidades com o local, que ocupa a área alugada na Marina Parque, na Ponta do Três Henriques, desde o final de 2021. Segundo o documento, encaminhado a veículos de imprensa, os proprietários da casa são do mesmo grupo que controlava uma balada “expulsa” de Palhoça e que agora fazem os mesmos erros em São José.
Entre 2017 e 2018 a chamada Amazing Club, cujo proprietário era Alex Luiz Krautz, infernizava a vida de moradores da Barra do Aririú, em Palhoça. Durante meses suas raves faziam tremer as janelas das casas da redondeza com as ondas sonoras, impedindo o direto ao descanso de dezenas de pessoas. Muitas não conseguiam dormir enquanto o evento não terminava. Não um, não dois, mas dezenas de finais de semana.
Pouco adiantava esbravejar com atendentes do 190 ou tomar remédios pra dormir: as batidas insistentes noite adentro torravam a paciência para além dos limites. Aliada à fiscalização falha da Prefeitura de Palhoça, a operação da Amazing Club forçou a saída de alguns moradores de suas próprias casas, para que pudessem ter algum sossego. O caso foi relatado em uma reportagem de 2018 do Jornal Palavra Palhocense, que muito bem resumiu em seu título a situação: Uns se divertem, outros fogem de casa.
Em setembro de 2018 a justiça proibiu festas da Amazing Club no local, alugado à beira do mar. Até isso acontecer, sobrou espaço para o deboche. A representação jurídica da Amazing Club arguiu que o som alto e contínuo era causado por outras pessoas que estacionavam os carros ao redor com música alta demais e que no espaço de evento promoviam isolamento acústico – um local cuja balada era ao livre.
De fato, a Amazing mentiu às autoridades tentando fazer parecer que estava regular e em paz com a vizinhança, além de largar argumentos como: “respeitamos e dialogamos com a comunidade”, “somos geradores de emprego e renda”, “temos todos os alvarás”, etc. Certa vez, no âmbito da ação civil pública contra o empreendimento em Palhoça, a delegada Beatriz Ribas registrou: “o discurso dos proprietários (…) beira a ironia e subestima a inteligência das autoridades envolvidas”.
Mudou o local, não o desrespeito
Segundo o dossiê dos moradores de São José, que enfrentam a mesma sina daqueles em Palhoça, o modus operandi na Baroque é mesmo da Amazing porque se trata do mesmo produtor, Alex. Seu nome não consta no CNPJ, mas sim o de sua esposa e mais um sócio. No portal Play BPM, por exemplo, especializado no ramo de eventos, Alex foi apontado como sócio majoritário do Baroque e, conforme os moradores, é ele quem assina diversos documentos pela empresa, incluindo aqueles para a obtenção dos alvarás, onde há irregularidade; ele também respondeu a essa reportagem através de sua assessoria jurídica.
A esposa de Alex também é a sócia de outra balada em Palhoça, a Vulks Lounge. Na ação que acabou com o distúrbio causado pela Amazing, também houve a substituição da pessoa jurídica para tentar passar a ideia de que era um outro articulador dos eventos. Não colou e o TJSC acabou com a desordem na Ponta da Barra do Aririú. O fato é que os eventos da Baroque causam problemas iguais aos da Amazing e o modo de lidar com a situação, o desrespeito à comunidade e às autoridades é o mesmo.
A Baroque Clube tem uma operação irregular segundo os moradores de Barreiros, que busca enganar parte das autoridades para entregar ao público uma capacidade de som maior. Após conseguirem um laudo técnico atestando a instalação e a capacidade sonora, os representantes da Baroque foram à Polícia Civil e pediram um alvará. Demonstrando que o som só iria até “x” decibéis, dentro da legislação, conseguiram. Só que esse laudo foi feito de maneira a enganar a Polícia Civil e, ocasionalmente, a Polícia Militar, quando por lá aparecem os agentes chamados pelos moradores no telefone de emergência e se deparam com um som mais baixo no momento e um documento verídico liberando o evento. Para o laudo foram utilizados algumas poucas caixas de som, com cerca de 3 mil Watts. Na balada são instaladas e utilizadas de fato mais caixas de som, com uma configuração muito mais potente e, como era previsível, fazendo vibrar janelas das residências nas redondezas. Na galeria abaixo apresentamos o cenário; na primeira foto há o set apresentado para o laudo e, nas demais, cenas de baladas, as torres com as caixas de som em uso.
Nas redes sociais da Baroque é possível ver qual é de fato a configuração usada nas baladas, como nestes vídeos publicados em janeiro de 22 e julho de 22.
A fraude alegada pelos moradores do entorno da balada é de conhecimento das autoridades, tanto da Polícia Civil, quanto do Ministério Público de Santa Catarina, além da Prefeitura de São José – essa, por sua vez, teve um papel praticamente de inanição até agora.
Um anexo no dossiê comprova que a prefeitura sabe das diversas reclamações e que haveria supostamente uma ação para fiscalizar. A mensagem é de janeiro desse ano.
Para explicar a falta de empenho da Prefeitura de São José em resolver o problema, os moradores de Barreiros entendem que é pelo fato de membros do poder executivo também promoverem festas no local. Por causa da demora ou falta de resolução, com o direito ao descanso podado pelos produtores das festas, a comunidade pediu ajuda para denunciar o caso.
Ação civil pública
Assim como em Palhoça, em São José o caso provavelmente só será resolvido com atuação do MPSC, que tem uma ação civil pública contra a balada desde a sua inauguração, pois desde então provoca perturbações. Consta nessa ação que são ao menos 20 residentes na Rua Heriberto Hulse que fizeram declarações escritas contra a operação da casa de eventos – número que, na prática, é maior.
“O volume de música é extremamente alto, o local é totalmente aberto, e o som se propaga pela orla da praia, atingindo em cheio a casa dos moradores. Por vezes, as janelas e portas tremem com um volume alto. Além disso, a música em volume alto impede que as pessoas conversem dentro de casa, vejam televisão, durmam, enfim, exerçam os atos de suas vidas normais. A vizinhança já chamou a Polícia Militar inúmeras vezes, mas não há mudança de comportamento dos proprietários do local. Assim, a manutenção dos eventos nos moldes atuais perturba a paz pública e sossego, além de evidente poluição sonora que causa no local, que é majoritariamente residencial“.
A 10ª Promotoria de Justiça do MPSC em São José – como consta na mensagem da Ouvidoria municipal – recomendou então que a prefeitura verifique a situação e interdite o local. Segundo o MPSC, além dos problemas sonoros, há a questão ambiental de aterro irregular na área e o pedido à justiça, tanto pela promotoria estadual, quanto pela federal, é de que o deck principal e outras estruturas sejam demolidas por serem construídas em área de preservação ambiental, assim como ocorreu com os beach clubs em Jurerê. A responsabilidade pelas construções na área recai sobre a Marina Parque e não sobre a Baroque Clube e não é o foco dessa reportagem.
A ACP cita ainda que as reiteradas raves ocorrem em todos os finais de semana, das 22h às 7h, com a potência máxima sonora. “O que se extrai (…) é o total desrespeito para com a comunidade em geral e com o meio ambiente, submetendo os cidadão a sérios riscos de saúde, mediante descumprimento ostensivo da legislação vigente e irregularidades ambientais“, escreveu a promotoria, que pede de forma urgente à justiça estadual a interdição do local.
Outro lado
Baroque Club: Alex foi solicitado a responder a essa reportagem e assim o fez sua representação jurídica, em nome do estabelecimento. Questionamos diretamente o porquê de montarem um laudo com uma configuração de som e realizarem eventos com set diferente, ao que negaram:
“medições de som são realizadas por empresas especializadas utilizando equipamentos específicos que atendem às normas estabelecidas pelos órgãos responsáveis. Esses equipamentos são calibrados e certificados regularmente, garantindo a precisão das medições. Dessa forma, podemos assegurar que os resultados obtidos refletem com exatidão a situação sonora no momento do evento”.
No entendimento dos produtores da Baroque, assim como ocorria em Palhoça, há uma harmonia com a comunidade do entorno:
“Reconhecemos a preocupação dos moradores e nos esforçamos continuamente para atender todos os pedidos da comunidade da localidade, motivo pelo qual, temos como política de funcionamento o respeito as normas e regulamentações referentes ao controle de som e perturbação. Investimos em isolamento acústico e monitoramento constante durante os eventos, visando minimizar qualquer impacto negativo para a vizinhança, buscando continuamente o aperfeiçoamento em reduzir para zero a propagação de ruídos para fora das dependências da empresa, assim mantendo um equilíbrio entre o respeito à comunidade e o objetivo da empresa que é oferecer momentos de lazer aos seus usuários“.
Além de ser uma completa mentira que há confluência com os moradores do entorno, os produtores voltam a incorrer na mesma ironia daquela apresentada para tentar manter funcionando Amazing Club, afinal é mecanicamente impossível fazer um isolamento acústico ao ar livre e desimpedido. Abaixo uma foto da configuração da Baroque, que se resume na área de show a uma tenda aberta de todos os lados.
Para completar a narrativa descolada da realidade, a assessoria jurídica de Alex Luiz Krautz ainda entende que é “totalmente descabida e tendenciosa á afirmativa de que o MPSC recomentou a interdição da Amazing Clube, visto que não retrata a realidade, ou seja, a Amazing Clube durante seu funcionamento sempre respeitou as normas legais aplicada a atividade de entretenimento musical”.
Para quem tenta enganar as forças policiais, os ministérios públicos, está há anos prejudicando o descanso de dezenas de famílias, já deu um tiro de arma de fogo contra ex-funcionário, mentir para a imprensa não é problema algum, aparentemente. Decidiu o juiz André Augusto Messias Fonseca em 25 de setembro de 2018 na ação movida pelo MPSC contra os distúrbios provocados pela Amazing: “Defiro tutela de urgência para proibir qualquer festa ou evento similar com emissão sonora, no local descrito na inicial, por parte das empresas rés“. Não à toa, posteriormente a empresa foi fechada.
Prefeitura de São José: questionada sobre a situação, a Prefeitura de São José respondeu: “Sempre que existe uma reclamação sobre perturbação de sossego, a Guarda Municipal é acionada e vai até o local. Não há registro recente na Prefeitura de São José de perturbação no local citado“.
Segundo a Polícia Civil, “havia uma única reclamação sobre este local que estava para ser apurada e no início deste mês recebemos novas reclamações. O caso foi encaminhado para a 2ª Delegacia de Polícia de Barreiros para investigação. Até o momento o local está em funcionamento pois possui todos os requisitos legais para tanto, inclusive laudo acústico“. Em conversa com a reportagem, porém, um delegado da PCSC afirma que é de conhecimento da corporação que o equipamento utilizado nas raves é diferente daquele do laudo.
MPSC: A equipe da 10ª PJ em São José, sob a chefia do promotor Raul de Araujo Santos Neto, informou que em 3 de agosto de 2023 foi ajuizada Ação Civil Pública nº 50162663320238240064 contra Baroque Club Ltda e Parque Três Patos Ltda, visando decisão judicial para cessação definitiva de qualquer atividade com utilização de som, bem como a remoção de qualquer construção (deck ou edificação) em área de preservação permanente. A ação está em curso na Vara da Fazenda Pública na Comarca de São José, ainda não contando com apreciação judicial do pedido liminar.
MPF: Não conseguimos contato com a promotoria de justiça federal que tenta intervir na área por questão ambiental.
Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.brme