Por Fábio Ballmann, coordenador do curso de Letras da Unisul
Em todas as reuniões sociais das quais eu participo, invariavelmente, preciso responder à pergunta acerca da internet estar estragando a língua portuguesa. Sério, nunca falha. Algumas vezes, inclusive, há uma preocupação genuína das pessoas sobre esse tema, chocadas com as conversas dos filhos ou amigos em alguma rede social.
Nesses casos, sempre tento contemporizar, dizendo que a língua é um organismo vivo, um conceito nem sempre fácil de compreender. As pessoas têm uma experiência da Língua Portuguesa, a matéria da escola, muito dissociada da língua portuguesa, esse nosso “rude idioma”, nas palavras do poeta, que usamos no dia a dia. Para muitos, existe uma barreira instransponível entre o que se diz e o que se fala, como se esse último fosse mais flexível e o primeiro muito mais rígido. Provavelmente, e estamos no campo das teorias, tal percepção é fruto de nossa experiência escolar. A professora corrige o texto escrito, dá a nota por escrito, mostra a regra escrita no livro escrito e replica no quadro escrevendo como devo escrever.
Mas, na hora de falar, na sala dos professores, no recreio, na rua, no mercado, em qualquer situação informal, sem perceber, a mesma professora tende a quebrar as regras gramaticais, a suprimir alguns “s” finais de palavras no plural, a desobedecer à concordância. Tive professoras fantásticas que treinaram a si mesmas a tal ponto que não incorriam em desacerto gramatical nenhum, nem mesmo quando estavam furiosas com alguma coisa. Mas preciso dizer que essas sempre foram minoria da minoria, e eu, professor de português, não faço parte desse grupo seleto.
Ocorre que, modernamente falando, com as redes sociais, passamos a usar a escrita de modo tão informal, tão corriqueiro e natural, que essa barreira já não é mais tão sólida e impenetrável quanto já foi. A escrita em uma rede social obedece primeiro a uma regra tecnológica, o imediatismo, para depois, quem sabe, obedecer às normas gramaticais. Foi assim que surgiu o famigerado “internetês”, no fim das contas. Nas antigas salas de bate-papo dava muito trabalho escrever “você”, sendo muito mais simples o uso do “vc”. Como essa abreviação funciona, a moda pegou.
O que lemos nas redes sociais é o que, muito antigamente, os antigos romanos escutavam nos becos e vielas de suas colônias: um latim mal falado, cheio de gírias e expressões locais, cheio de adaptações e aproximações com a língua mais falada pelos colonizados. Pouco registro temos disso porque essas pessoas, em sua maioria, não sabiam escrever, não dispunham de meios nos quais escrever e o alcance de seus comunicados era muito restrito. Hoje, qualquer um coloca um anúncio de compra e venda em uma rede social, e escreve como sabe, como acha que está certo. Às vezes vende seu produto, às vezes vira meme.
Como temos regras gramaticais e ortográficas a serem seguidas, temos a impressão de que ninguém mais sabe escrever, que está tudo um caos, que é o fim da língua que conhecemos. Provavelmente se escutava o mesmo quando tiraram o “ph” de “farmácia”. É o choque entre a escrita, que temos como ideal, e a fala, muito mais real. A linguagem da internet influencia sim nossa escrita, mas não é ela sozinha, é todo um conjunto de tecnologia e globalização. Importamos costumes, e com eles vêm os termos, tudo no mesmo “delivery”, a “50% off”, no “streaming” mais próximo. Faz parte do processo, da interação social, da busca por um sistema de comunicação cada vez mais ágil, em constante crescimento e evolução. Como todo ser vivo, aliás.