Um dos principais pontos históricos da cidade de São José, o Beco da Carioca, foi reinaugurado nesta terça-feira (27/2), no mesmo dia em que a última representante das lavadeiras, Alcina Júlia da Conceição, completou 100 anos de vida.
O local passou por reforma comandada pela Prefeitura de São José, que envolveu as secretarias de Infraestrutura e Cultura, para gerir a verba disponibilizada pelo Fundo de Reconstrução de Bens Lesados (FRBL), gerido pelo Ministério Público estadual, no valor de R$ 107 mil. Foi refeita a pintura, limpeza, colocados novos bancos e construído um deck no entorno.
O Beco da Carioca, ao lado da Igreja Matriz, foi a primeira fonte de água descoberta em São José pelos colonizadores. Aos poucos, a população e as construções foram se desenvolvendo ao redor, se transformando na região central e histórica da cidade. A nascente virou um lavadouro público com cisternas e torneiras para a coleta de água potável. No local, os moradores do bairro vinham buscar água ou pagavam por um serviço de carregadores.
UM SÉCULO DE VIDA
A Prefeitura escolheu uma data simbólica para a inauguração. Neste dia 27 de fevereiro de 2018 Alcina Júlia da Conceição, ou Dona Baí, como é conhecida, completou 100 anos de vida e ganhou um bolo de aniversário. Dentre todos os trabalhos que exerceu, Alcina foi lavadeira no Beco da Carioca, junto com outras 13 companheiras que ocupavam diariamente um tanque específico para lavar as roupas por alguns trocados. Ela estava na cerimônia de inauguração desta terça, que ocorreu na Casa de Cultura em função da chuva, e recebeu das mãos da prefeita Adeliana Dal Pont uma homenagem ao seu aniversário e toda sua história. Antes da cerimônia, as duas conversaram ao pé do ouvido.
“Eu gostaria de fazer uma homenagem a Dona Alcina pela sua alegria de viver, pela forma que ela se coloca, falou tanta coisa bonita, coisa de incentivo a participação das mulheres, fiquei extremamente emocionada e a Prefeitura de São José gostaria de homenagear a Dona Alcina com essa passagem, que é um momento importante para a cidade tê-la conosco e também para lembrar que ela foi uma das que utilizou sempre o Beco da Carioca. A Prefeitura entrega essa placa pelo seu centenário e mais que isso, pelas suas memórias”, disse Adeliana. E acrescentou que “nossa expectativa é possibilitar que o Beco da Carioca volte a ser um espaço de convivência social na cidade, por isso buscamos realizar ações que atraiam cada vez mais os moradores e visitantes ao nosso Centro Histórico”.
A prefeita também agradeceu ao representante do Conselho Gestor do FRBL, Promotor Paulo Locatelli, e aproveitou para reforçar todas as obras realizadas e em andamento no Centro Histórico, como o Theatro Adolpho Mello e o novo trapiche.
Para a superintendente da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, Joice Porto, a ideia para o Beco da Carioca é que a comunidade passe a utilizar o local. “A gente quer que realmente a comunidade abrace o espaço ali e utilize. O pessoal que mora ali agora tem o Beco no jardim de casa deles, então espero que eles possam usar, e a gente também tem interesse de fazer intervenções ali, como uma apresentação da União Josefense”, disse. Já sobre o Theatro Adolpho Mello, a expectativa é que em três meses seja aberto o edital para licitação da reforma interna.
ALCINA
Dona Baí, trabalhadora centenária, além de lavadeira da Carioca, já foi passadeira, engomadeira, empregada doméstica, dama de leite e até carregadora de água da bica para quem morava pela região e não tinha encanamento em casa – “nunca passei disso”, conta. Seu sonho, como sempre declarou, era ver o Beco da Carioca reformado e funcionando, como nos seus tempos. Foi muito aplaudida e cumprimentada no seu aniversário, que teve festa também no sábado (24/2) no salão paroquial.
Nesta quarta-feira (28/2), depois do agito da inauguração, ela concedeu ao Correio entrevista em sua residência. Sempre sorridente, falou sobre aposentadoria, pobreza, a revolução de Getúlio Vargas, a Ponte Hercílio Luz, o zepelim que passou certa madrugada e pegou fogo, e muitos outros casos da cidade. Sobre o Beco da Carioca, disse: “Passou muito prefeito e ninguém tinha até agora a coragem de reformar. A Carioca era o nosso ganha-pão, mas acabou-se. Tinha um pedaço de grama que foi o Padre Neri que plantou por causa das barracas do peixe, mas o resto ficou abandonado esse tempo”. Ela faz algumas recomendações de segurança, “pra não ficar o Beco da Fumaça”, e diz que ainda quer voltar a colocar a mão no mesmo tanque que usava para lavar as roupas, mas só depois que as águas estiverem limpas.
OBRAS SANITÁRIAS
O próximo passo para recuperar totalmente o Beco da Carioca se trata da despoluição do curso d’água. Para isso, o secretário de Infraestrutura, Milton Bley, informa que está alinhando com a Casan os trabalhos de esgotamento sanitário no Centro Histórico. “Em reunião da prefeita com o presidente da Casan, de imediato o presidente da companhia solicitou aos técnicos que façam o projeto daquele pedacinho que falta. O restante já tem projeto e vai ser executado agora, então tudo indo bem nesse ano fica liquidado o problema do esgoto nessa parte do Centro Histórico e a Ponta de Baixo junto, porque já tem empresa vencedora e contrato assinado”, disse o secretário.
O FUNDO
De acordo com Promotor Paulo Locatelli, representante do MP-SC e membro do Conselho Gestor do FRBL, o Fundo se origina nos valores compensatórios de medidas judiciais, como termos de ajustamento de conduta (Tac) e ações civis públicas. O Conselho Gestor do fundo decide quais projetos serão contemplados. “Temos várias destinações de verbas para recuperação de patrimônio cultural, imóveis sob o ponto de vista cultural, mas geralmente o fundo também é destinado para projetos de recuperação de áreas desmatadas, reflorestamentos com árvores nativas e suporte em alguns municípios na questão de segurança pública. Não só órgãos públicos, mas também a iniciativa privada pode buscar esses recursos”, diz Locatelli.