Parte da área incendiada do parque é contestada pelo município de Palhoça

Isso não significa que há uma relação direta do incêndio com o pedido de cessão da área, porém a ocupação humana no entorno do parque pode ser a causa de mais um incêndio

Área de 800 hectares foi queimada na baixada do Maciambú, em Palhoça, onde no entorno cresce a ocupação imobiliária - PM Ambiental/Divulgação/CSC

Terminada a batalha contra o incêndio no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o que permanece é uma outra batalha judicial, já antiga. Os 800 hectares queimados em Palhoça ficam dentro de uma área contestada pelo município para desanexação do parque.

O município de Palhoça pede a doação de parte dessa área, nas terras de Araçatuba, ou Passagem do Maciambú, para fazer a regularização fundiária das residências no local. A prefeitura tem trabalhado nesse processo em outros bairros, para dar segurança jurídica aos moradores, e pretende fazer o mesmo no entorno da área do parque na baixada do Maciambú. De acordo com o prefeito Camilo Martins, a área já está consolidada e não é exatamente a mesma do local do incêndio desta semana.

“Pedimos ao estado que fizesse a doação do município a área que pertence a eles, as terras de Araçatuba, ou seja, as áreas que já estão consolidadas, com casas já construídas. O projeto já está na Assembleia e não é a área do parque e sim das praias, para fazer a regularização fundiária”, diz o prefeito.

Publicidade

O presidente do IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina), Valdez Rodrigues Venâncio, tem outro entendimento. Na entrevista coletiva do governo do estado nesta quinta-feira (12/9) sobre o incêndio, o Correio questionou se uma das possíveis causas para os recorrentes incêndios na área pode ser a pressão imobiliária que há no entorno do parque, na chamada área de amortecimento, e como se relaciona com o processo de regularização fundiária aberto pelo IMA sobre os 700 imóveis que estão dentro da área do parque.

Correio: É possível que a pressão imobiliária seja uma das causas dos recorrentes incêndios nessa mesma região do parque? E como está o processo de regularização fundiária?

Governador Carlos Moisés: “Essa dúvida foi lançada em uma conversa anterior a minha chegada aqui por ter exatamente essa intenção de se ocupar essa área. Nós não levantamos como a primeira suspeita, obviamente, nem há uma indicação de que tenha sido criminoso por conta disso, mas se houve ação humana ela se deu coincidentemente na área em que há um avanço populacional e uma área em que há uma demanda, que são terras que estão sob a vigilância permanente do Estado de Santa Catarina. E essas áreas não são colocadas à disposição do município exatamente porque existe o parque, se elas forem colocadas à disposição, as terras municipais podem ter matrícula, podem se criar empreendimentos, loteamentos, enfim. Então é uma área estadual. Há de fato uma demanda por essa área, que coincidentemente foi a área atingida”.

Valdez Rodrigues Venâncio: “Em relação a área atingida nós temos a sobreposição de imagens, coincide sim com uma boa parte da área que está sendo pretendida pra ser feita uma doação ao município de Palhoça, mas é muito prematuro falar que isso foi o caso ou não, até porque historicamente há mais de 30 ou 40 anos ocorrem incêndios nessa mesma época e geralmente nesse mesmo local. Então nós tivemos alguns picos, geralmente em fase de estiagem. Em relação a regularização fundiária, não só dessa área, como de todas áreas das unidades de conservação, o IMA lançou no início do ano um programa de regularização fundiária, em que nós estamos destinando recursos pra regularização, pro parque sair do papel, dessas áreas que estão em sobreposição, que já estão ocupadas, para que nós possamos regularizar e utilizar o parque de vez. A ideia é que o parque passe a ter o uso público regularizado”.

Na coletiva, Venâncio também informou que a área afetada geograficamente tem uma cota negativa (isto é, um banhado), que não é apropriada para residência humana. “Então é um ambiente especial que merece atenção pra preservação de toda aquela área”.

“É uma área que o estado pretende manter como está, ou seja, é uma área de preservação ambiental e a gente sabe que no entorno daquela área há um aumento na população, então se tem uma dificuldade de se preservar uma área que é vizinha a moradores por conta dos hábitos e riscos que a utilização de fontes ígneas pode provocar”, disse também o governador.

Casos de usucapião

Em alguns casos de ocupação de imóveis do estado por particulares, a justiça tem entendido que é ilegal. Em fevereiro desse ano, por exemplo, foram julgadas improcedentes duas ações que pleiteavam usucapião de imóveis localizados nas praias do Sonho e da Pinheira, na região do Maciambú. Nas ações, os moradores requeriam a propriedade sob a alegação de serem possuidores de imóveis que, na verdade, pertencem ao Estado de Santa Catarina.

“Nesse passo, além de o imóvel em comento estar inserido em área conhecida como Campos de Araçatuba ou Maciambú, também integra área de preservação permanente e APA do Entorno Costeiro, pertencentes ao Estado, tratando-se, portanto, de imóvel público que não pode ser adquirido por meio de usucapião”, ressaltou o juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Palhoça, Murilo Leirião Consalter. De acordo com a Procuradoria Geral do Estado, ainda há “dezenas de ações sobre o mesmo assunto na Comarca de Palhoça”.

Em setembro de 2020, o IMA entrou na justiça para anular uma indenização de R$ 40 milhões no programa de regularização fundiária dos terrenos particulares dentro da unidade de conservação. O imóvel tem 5,7 mil hectares dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o que pode indicar que parte da terra já seja do estado.

mapa area queimada parque estadual serra do tabuleiro
Mapa da área queimada; ao norte fica a área contestada – PM Ambiental/Divulgação/CSC
Causas do incêndio

É improvável que os incêndios sejam uma intenção direta das pessoas em ocupar a área, como ocorre na Amazônia, onde as queimadas ganharam os holofotes do mundo recentemente, pelo processo de abrir caminho com o fogo para o plantio de lavouras e pastos. Porém, é fato que a destruição de alguma forma da vegetação nativa facilita as ocupações e construções irregulares dentro do Parque do Tabuleiro e consequentemente podem aumentar os pedidos por usucapião.

Com algumas exceções no Cerrado, o Brasil não possui condições para os incêndios naturais. Ou seja, todos os incêndios no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro têm origem humana. Carlos Moisés reafirmou isso: “se tem origem humana é criminoso, então a perícia vai verificar se houve dolo ou não”.

Em 2019, no período de 20 dias, cerca de 1.057,3 hectares queimados foram queimados em incêndios no parque. No ano seguinte, voluntários e empresas iniciaram o trabalho de manejo de pinus na Baixada do Maciambú, uma vez que a espécie é amplificadora do fogo.

O coronel Marcelo Pontes, da PM, pede que as pessoas denunciem quaisquer irregularidades que possam servir ao inquérito aberto para verificar a causa do incêndio dessa semana.

Como foi o combate

Atuaram no combate ao fogo, durante mais de 40 horas, 162 bombeiros, 90 policiais militares, 18 servidores IMA, 8 da Defesa Civil, 2 da PRF, e muitos voluntários. Foram utilizados 2 helicópteros, dezenas de viaturas, e mais de 500 mil litros de água. A própria prefeitura de Palhoça enviou caminhões-pipa e servidores para ajudar a apagar o fogo, e também decretou estado de emergência por causa do incêndio.

O governador ressaltou na entrevista que esse não foi o maior incêndio no parque, e sim o quarto: 900 hectares queimados em 2004 e 2016 e 920 em 2012. Agora foram 800.

“Foi um incêndio bastante grande, mas que não é incomum pra gente. Todos os anos combatemos incêndios lá, um ano maior, um ano menor”, disse o comandante dos bombeiros militares, coronel Charles Vieira.

Publicidade