Quando se fala que as abelhas são essenciais para a natureza logo vem a imagem da abelha “clássica”, aquelas com as listras pretas e amarelas, ferroada doída e cujas espécies do gênero Apis são exóticas. Mas o Brasil tem nada menos que 300 espécies de abelhas nativas, extremamente essenciais para os ecossistemas através da polinização e como parte da cadeia alimentar de dezenas de animais.
As abelhas nativas têm muitos nomes: Jataí, Mirim Droryana, Uruçu Amarela, Mandaçaia, Buruçu Boca de Renda, Boca de Sapo, Guaraipo, Manduri Vermelha, Tiúba e por aí vai. De acordo com a Epagri são 34 espécies de ocorrência natural em Santa Catarina.
Pouco lembradas, elas não contam com o reconhecimento da maioria da população, há poucas políticas públicas e programas específicos de proteção e valorização, ainda que os tipos de mel e própolis sejam altamente benéficos para a saúde.
Mas mudar esse cenário é muito fácil. Dóceis, sem ferrão (ou de ferrão atrofiado) as abelhas nativas meliponas ou trigonas podem ser criadas sem problema algum em qualquer jardim, inclusive em apartamentos em andares altos.
“São muito tranquilas, podem ser até um pet”, diz Eduardo Dellangelo Silveira, do Meliponário Biguaçu.
Eduardo é dessas pessoas que a vida levou para um caminho no qual o coração segue junto com a vocação. Há cerca de oito anos, após ouvir um emocionante relato de um senhor sobre abelhas em sua infância, começou a criar algumas abelhas nativas justamente porque sabia sua importância para a natureza – “a ideia sempre foi preservação”. Com o tempo foi tomando gosto pela meliponicultura (abelhas sem ferrão) e tem hoje na sua casa em Biguaçu quase 400 enxames, abrangendo 18 espécies.
“Antigamente as pessoas encontravam essas abelhas no mato, pegavam o mel e depois derrubavam a colmeia. Não davam valor porque eram dóceis e tinham pouco mel”, conta.
Há também outro fator histórico que “desvalorizou” muitas das abelhas nativas. “As abelhas produzem várias coisas que podem ser usadas, como o geoprópolis, o própolis e a cera. Antigamente a cera era usada pelas igrejas para fazer vela, mas muitas dão uma cera escura ou avermelhada. Cada uma tem uma coloração. Aí tu pensa, uma igreja com velas vermelhas ou pretas ninguém queria. Então davam pouca atenção para essas”, conta ele abrindo uma caixa da espécie mandaçaia, de cera escura, mel suave, calmas e que recentemente entraram na lista de espécies em extinção.
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Como um especialista que se dedica de coração, ele pode passar horas falando sobre os benefícios e características de cada uma das espécies de abelhas nativas. Percorrendo o meliponário, Eduardo já sabe o comportamento não apenas de cada espécie, mas até de cada enxame. Sabe quais saem mais cedo para trabalhar dependendo da temperatura, sabe quais rainhas são mais fáceis de encontrar, quais são mais defensivas, quais estão mais robustas, as colmeias que dão mais mel, o tempo de vida de cada.
A Epagri e a UFSC, por exemplo, de vez em quando o contatam para estudos. No local (km 185 Sul da BR 101, em Biguaçu), ele recebe escolas, universidades, quem quiser conhecer sobre as abelhas nativas e possivelmente comprar uma caixa para ter em casa.
Fáceis de criar
As abelhas nativas são muito fáceis de criar, explica Eduardo. Tornando-se aos poucos referência em Santa Catarina para a criação desses animais, junto com outros três criadores, ele explica que há pouco manejo para a criação de abelhas e até extração do mel. Não é necessário roupas ou equipamentos especializados, porque elas são mansas e independentes. “Me preocupo mais com os gatos e os cachorros quando saio de casa. Elas são como um bicho, só que mais fácil”.
As abelhas, dependendo da espécie, circulam em raios entre 500 metros e 3 quilômetros da colmeia e podem ser criadas juntas. Dificilmente uma se confunde com outra, pois são reconhecidas pelo cheiro de cada rainha. Caso uma campeira entre na caixa errada, é morta pelas operárias. Também raramente há “briga” entre as colmeias. Se ocorrer, explica o produtor, ele afasta as caixas.
Eduardo comercializa os enxames com preços que variam de R$ 100 a R$ 700, dependendo da raridade da espécie. Junto com a caixa, ele dá toda a orientação de como cria-las, dicas de adaptação e extração do mel.
Alta polinização
Nos anos cultivando esses insetos fantásticos, que têm até sua própria linguagem, conheceu muito de seus comportamentos. Um que é extremamente essencial para o ecossistema é a altíssima capacidade de polinização. Quando pega uma abelha da espécie Bugia (ou Uruçu Amarela) e coloca na mão, mostra: “Ela vibra que nem um celular. Ela faz isso na flor, pousa, vibra e assim retira uma quantidade muito maior de pólen. A polinização das nativas é ideal pra vários tipos de cultura. Têm espécie específica pra cada lavoura. As Apis mellifera não fazem isso, não alcançam o pólen de flores mais fundas, não vão em todas as flores”.
Ele conta também, por outro lado, que falta um incentivo de verdade às abelhas nativas. As Apis, responsáveis pelo mel catarinense de alto padrão, têm maior capacidade de produção de mel e contam com associações, reconhecimento e políticas de incentivo. Mas, de certa forma, competem com as nativas e não são polinizadoras tanto quanto as endêmicas. Vivendo em média por 40 dias, uma abelha visita 1 milhão de flores e produz uma colher de chá de mel.
“Todos os benefícios estão sendo descobertos. A Iraí, por exemplo, é boa pra plantação de morango. É possível ter uma agricultura consorciada com a criação de abelhas”.
Abaixo à espatódea
Uma das proteções específicas em lei estadual é a proibição da produção de mudas e o plantio da árvore espatódea (Spathodea campanulata, também conhecida como mijadeira, bisnagueira, tulipeira-do-gabão ou chama-da-floresta) – Lei 17.694/2019.
Com uma bela floração ornamental, o néctar dessas flores é extremamente prejudicial às abelhas por ter toxinas que as matam. A árvore é de origem africana e, portanto, exótica. Há uma lei estadual que proíbe o plantio dessas árvores, mas são muito fáceis de se encontrar. Na Grande Florianópolis é cheio, e não deveria. Se você tem uma no quintal, corte. “Planta um Ipê, que é bem melhor”, sugere Eduardo.
Em Santa Catarina há também a Lei 17.099/ 2017, que dispõe sobre a criação, o comércio e o transporte de abelhas-sem-ferrão (meliponíneas) no estado.
População está pegando gosto
Eduardo Dellangelo começou com algumas caixas no terreno. Pediam para que ele vendesse as abelhas ou o mel. Não queria. Depois, percebeu que o lance era dividir os enxames e vender as abelhas nativas, para perpetuá-las. Hoje vê que já há algum reconhecimento crescendo e valorização das espécies. O mel não comercializa, deixa para elas mesmas.
Clóvis Brida é um dos clientes que adquiriu as caixas. Tem em sua casa quatro tipos de abelhas nativas e as cria para preservação. “Uma vez eu tirei mel, não era muito, até porque o intuito não era esse, mas foi emocionante ver o que elas fizeram. Também plantei mais flores na praça em frente à minha casa, para elas terem onde pegar o pólen, e outras plantas que eu pretendia podar acabei deixando por causa das abelhas”, explica ele, que foi visitar Eduardo para uma rápida consultoria e comprar alguns bombons de própolis, que ajudam as abelhas no inverno.
Produto pode ser rentável
Produzir e vender abelhas nativas e seus produtos é uma atividade legalizada e que pode ser rentável, consorciada com outras produções ou até mesmo no quintal de casa. Por enquanto há poucos produtores do mel de abelha nativa em SC, que tem clima ideal para os produtos das abelhas. As temperaturas médias entre 20°C e 30°C são ótimas para a produção de mel, com estações secas e úmidas bem definidas.
Como ainda é raro, o mel da abelha nativa pode custar entre R$ 100 e R$ 200 por quilo, sendo que cada caixa tem produção média de 2 a 4 quilos por ano, dependendo da espécie. Com a valorização das meliponias, o mel orgânico das abelhas nativas tende a ganhar mercado.
Longevas
Uma colmeia pode durar décadas. O enxame mais longevo de Eduardo é das pequenas Mirim droryana, que tem 10 anos, quando ele as achou em um bambu caído e as transferiu para uma “caixa-facão”.
Normalmente as abelhas operárias, campeiras e zangões têm vida média de 28 a 35 dias durante a primavera e verão. No outono e inverno elas podem chegar a 2 meses de vida. Já as rainhas podem ter entre 2 e 5 anos de vida e são “substituídas” pelas demais – isto é, quando as operárias param de alimenta-la e ela morre de fome.
No Centro de Biguaçu, dizem os moradores da cidade que o enxame de abelhas nativas muito conhecido na praça tem pelo menos 50 anos.
Nessa época de outono, explica o produtor, os enxames estão robustos, pois estão sendo preparados para divisão. Assim quem tiver interesse em comprar uma caixa de espécie nativa pode contatar o Meliponário Biguaçu pelo número (48) 99608-1255.
Texto e fotos por Lucas Cervenka