Declarada em 2008 como posse permanente do povo Mbyá Guarani, a Terra Indígena do Morro dos Cavalos, em Palhoça, desde então não foi homologada. Há 10 anos na espera pela consolidação desse direito, os Mbyá Guarani lançaram a 13ª Semana Cultural da Terra Morro dos Cavalos, com apoio do Ministério Público Federal (MPF-SC) e outras entidades, para pedir “homologação já”, slogan da campanha que integra as atividades.
A movimentação ocorre logo após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, solicitar (em 4/4) ao Ministério da Justiça pedido de revisão formulado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), em 2013, relacionado à demarcação da área de 2 mil hectares.
A decisão foi proferida na Ação Cível Originária Nº 2323, ajuizada em 2014 pelo Estado de Santa Catarina contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) perante o STF, na qual a PGE pediu a declaração de nulidade do ato demarcatório.
MARCO TEMPORAL DA TI MORRO DOS CAVALOS
Segundo a PGE, o pedido de revisão deverá levar em consideração os critérios de demarcação de terras indígenas definidos pelo Supremo, a exemplo da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, julgado em 2008. Para a PGE, isso significa que deve ser observada a tese do marco temporal, segundo a qual somente podem ser consideradas terras indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já eram tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas. A tese defendida pela PGE para anular a demarcação diz que a presença de índios da etnia Guarani Mbyá no Morro dos Cavalos ocorreu apenas na década de 1990 e que há estudo antropológico da própria Funai provando isso.
Para a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana Batista, ao contrário do que afirma a PGE, não há qualquer determinação para o Ministério da Justiça (MJ) apreciar pedidos de redução da Terra Indígena Morro dos Cavalos.
“O que há é uma solicitação de informações. Cabe ao MJ informar que o pedido já foi analisado e indeferido porque Morro dos Cavalos é terra Indígena, fundamental para a sobrevivência física e cultural dos Guarani. A teoria do ‘marco temporal’ de ocupação ainda está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), como ficou bem demonstrado durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o decreto que regulamenta a titulação dos quilombos. Nesse caso, 8 dos 11 ministros se manifestaram categoricamente contra o ‘marco temporal’. De qualquer forma, há sólido consenso científico sobre Morro dos Cavalos ser área de ocupação tradicional, antiga e ininterrupta, em razão de que o ‘marco temporal’ não é aplicável”, diz em nota a advogada.
Na cronologia divulgada pela Funai sobre a TI Morro dos Cavalos, a demarcação física da área foi concluída em novembro de 2010 e, em ato contínuo, encaminhada em 2011 à Presidência da República para homologação – o que não ocorreu. Em 2012, ao longo do processo de regularização fundiária, foi julgado o caráter das ocupações não indígenas incidentes na área, a partir dos levantamentos e avaliações de benfeitorias. Segundo a Funai, até o momento foram indenizadas cinco pessoas oriundas de ocupações de boa-fé.
ATAQUES À COMUNIDADE
Desde 1995 trabalhando pela legalização da Terra Indígena Guarani do Morro dos Cavalos, a procuradora da República Analúcia Hartmann, do Ministério Público Federal (MPF-SC) confessou, durante o ato de lançamento da campanha para homologação, a sua frustração por ainda não haver uma conclusão para o processo.
“A luta pela homologação da Terra Indígena do Morro dos Cavalos é ainda mais simbólica por estar no Sul, a região que mais rejeita, que não aceita os direitos indígenas, preteridos por interesses fundiários e financeiros”, disse Analúcia Hartmann.
A líder indígena Kerexu (Eunice Antunes) lembrou que a campanha contra a homologação espalha a informação falsa de que não havia indígenas Guarani no Morro dos Cavalos em 1988, o que desencadeou uma série de ataques contra sua aldeia e seu povo.
“Estamos constantemente sofrendo ataques. Como ficamos na margem da BR-101, sempre aparece alguém para fazer um ataque relâmpago. E é sempre a mesma coisa: a polícia vem, não encontra provas, ninguém é culpado, ninguém é preso e os ataques continuam”, relatou, destacando também que os Guarani vivem permanentemente no litoral catarinense há séculos.
Em novembro do ano passado, a mãe de Kerexu, Ivete de Souza, de 59 anos, que tem seis filhos, foi torturada em sua própria casa e teve a mão esquerda decepada por golpes de facão. Ela foi violentamente agredida e recebeu inscrições feitas a faca em seu corpo, de cruz e símbolos de morte. Os agressores só pararam quando avaliaram, por engano, que ela já estava morta, conforme relato de entidades apoiadoras da luta indígena em carta aberta. A comunidade espera pelo resultado da investigação policial, já que há indícios de mandantes e de vários implicados no ataque.
SEMANA CULTURAL
A 13ª Semana Cultural dos Guarani vai até o sábado (14/4) promovendo atividades culturais e educativas, com aulas sobre a cultura indígena, alimentação, música e outros temas. Apoiam a semana cultural e a campanha as entidades: Conexão Itaty, Nhemonguetá – Povo Guarani na Mata Atlântica, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Mobilização Nacional Indígena e Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).
Um dos muitos presentes à abertura da campanha pela homologação, o vereador Marcos José de Abreu, o Marquito, de Florianópolis, ressaltou a importância de se disseminar uma narrativa que contemple a luta dos Guarani pela legalização de seu território.